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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Aquilo

— De uns tempos para cá, eu só penso naquilo.

— Eu penso naquilo desde os meus, sei lá, 11 anos.

— Onze anos?

— E. E o tempo todo.

— Não. Eu, antigamente, pensava pouco naquilo. Era uma coisa que não me preocupava. Claro que a gente convivia com aquilo desde cedo. Via acontecer à nossa volta, não podia ignorar. Mas não era, assim, uma preocupação constante. Como agora.

— Pra mim sempre foi. Aliás, eu não penso em outra coisa.

— Desde criança?!

— De dia e de noite.

— E como é que você conseguia viver com isso, desde criança?

— Mas é uma coisa natural. Acho que todo mundo é assim. Você é que é anormal, se só começou a pensar naquilo nessa idade.

— Antes eu pensava, mas hoje é uma obsessão. Fico imaginando como será. O que eu vou sentir. Como será o depois.

— Você se preocupa demais. Precisa relaxar. A coisa tem que acontecer naturalmente. Se você fica ansioso é pior. Aí sim, aquilo se torna uma angústia, em vez de um prazer.

— Um prazer? Aquilo?

— Pra você não sei. Pra mim, é o maior prazer que um homem pode ter.

É quando o homem chega ao paraíso.

— Bom, se você acredita nisso, então pode pensar naquilo como um prazer. Pra mim é o fim.

— Você precisa de ajuda, rapaz.

— Ajuda religiosa? Perdi a fé há muito tempo. Da última vez que falei com um padre a respeito, só o que ele me disse foi que eu devia rezar. Rezar muito, para poder enfrentar aquilo sem medo.

— Mas você foi procurar logo um padre? Precisa de ajuda psiquiátrica. Talvez clínica, não sei. Ter pavor daquilo não é saudável.

— E eu não sei? Eu queria ser como você. Viver com a perspectiva daquilo naturalmente, até alegremente. Ir para aquilo assoviando.

— Ah, vou. Assoviando e dando pulinho. Olhe, já sei o que eu vou fazer. Vou apresentar você a uma amiga minha. Ela vai tirar todo o seu medo.

— Sei. Uma dessas transcendentalistas.

— Não, é daqui mesmo. Codinome Neca. Com ela é tiro e queda. Figurativamente falando, claro.

— Hein?

— O quê?

— Do que é que nós estamos falando?

— Do que é que você está falando?

— Daquilo. Da morte.

— Ah.

— E você?

— Esquece.

Luis Fernando Veríssimo



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